É possível atingir Gnose com o Ecstasy?

Universo Paralello, 2019.

Inicio este texto agradecendo imensamente Anton Köllisch, que com sua passagem curta mudou a vida de muitos, inclusive a mim, ao sintetizar pela primeira vez a metilenodioximetanfetamina, também conhecido como MDMA, e vulgarmente chamado de Ecstasy. A experiência de MDMA me retirou dos escombros de um momento muito difícil de minha existência, e me trouxe outros horizontes. Este é um relato sem dogmas e sem preconceitos sobre minha incursão nesta substância polêmica.

A primeira rave, você nunca esquece. Me recordo de ser advertido por um amigo que ao chegar, iria me arrepender imediatamente. E assim dito, chego as 5 da manhã em um ambiente com pessoas fazendo movimentos repetitivos, com uma música com batidas repetitivas, no meio do mato. A própria definição de um programa de índio. Mas ali estava, e ali ficaria, não sou de fugir de novas experiências quando me predisponho a elas.

Logo, iríamos ingerir a substância. Eu não sei vocês, mas sempre que vou ingerir uma substância alteradora de consciência, me vem um leve frio de ansiedade no estômago. Nada era conhecido ali pra mim. Mas segui com o plano, e tomei uma bala, como dizem no jargão das baladas. E logo a transformação iria ocorrer.

O Ecstasy te deixa extremamente empático e entrosado com o ambiente. De repente, todas as pessoas eram… tão agradáveis em sua manifestação individual! Cada ser era único, cada pessoa um universo a parte. O Trance tem como idéia o que o nome do estilo diz: transe. A rave, em suma, é um ambiente criado para experimentar estados alterados de consciência, facilitados pela música, decoração e ambientes. E nós, no Brasil, por sermos agraciados com uma flora exuberante, temos sorte. De repente o sol começa a raiar, e bater nas árvores… um cenário maravilhoso, que combinou perfeitamente com o efeito do MDMA chegando com tudo. Logo entenderia porque chamam de Ecstasy.

A sensação era que meu peito ia transbordar de plenitude. Plenitude, essa a palavra que eu poderia usar pra descrever o que senti. Embalado pelo som, logo me dei conta de que estava dentro de um ritual, e nem havia percebido. A decoração, a música, a mentalidade das pessoas, tudo colabora para criar uma gigantesca egrégora, como qualquer show consegue criar. Exceto, claro, que a rave é um show onde todos estão de consciência extremamente alterada, mas com uma mentalidade diferente. Não há brigas. Não tem ninguém dando em cima de ninguém. Todos são respeitosos. Todos querem simplesmente sentir-se bem e dançar. E assim eu o fiz.

Dançando, de olhos fechados, entrei imensamente dentro de mim. E me vi com medo. Tímido. Envergonhado. Anos de uma infância guiada a bullying me deixaram imensamente envergonhado de meu corpo, que julgava ser feio e desengonçado. Mas ali, com seu chakra cardíaco pulsando a mil, irradiando amor e plenitude, nada importava. Só queria dançar, mexer era prazeroso, extremamente prazeroso. E me lembrei de Wilhelm Reich e sua teoria das couraças, que são vários anéis sutis que circundam nosso corpo, e nos travam em nossa expressividade, com os traumas da vida. Me lembrei dele pois quanto mais dançava, mais livre me sentia. Livre, livre!

Que trabalho de cura. O MDMA cria uma meditação em movimento, como os Dervixes do Sufismo, que graciosamente giram em êxtase. O trance entra cada vez mais na sua mente, e suas batidas repetitivas vão lhe levando para lugares dentro de você… e também além. Em um momento específico, sentia-me conectado com toda a existência, e chorava incontrolavelmente. Apenas conseguia erguer as mãos para o alto, e agradecer ao Criador por me permitir experienciar tanto bem-estar e cura em um só dia. Na terra batida do front, deixei eras de mágoas e travas que me impediam de ser eu, de ser potente, ser livre. Pensei que só ia sentir uma alegria corporal, e fui pego de surpresa por um ritual de transcendência moderno, com palavras e senhas próprias, seu próprio universo, sua musicalidade. Abraçava a todos, dividindo o PLUR (Peace, Love, Unity and Respect, um Axé da rave, um estado de bem-estar que permeia o evento).

Claro, sem floreios, estamos falando de um evento potencializado por drogas ilícitas. Mas, ao refletir sobre isso, uma frase do Liber Tzaddi de Crowley vem em mente:

“Muitos se ergueram, sendo sábios,  Eles disseram «Buscai a Imagem brilhante no lugar sempre dourado, e uni-vos com Ela.»

Muitos se ergueram, sendo tolos. Eles disseram, «Descei até o esplêndido mundo sombriamente escuro, e desposai-vos com aquela Criatura Cega do Lodo.»

Eu que estou além da Sabedoria e da Tolice, me ergo e vos digo: realizai ambas as núpcias! Univos com ambos!

Cuidado, cuidado, eu digo, a fim de que não busques a um e perdas o outro!

O magista precisa estar pronto para qualquer ambiente, e para poder realizar suas incursões espirituais sempre que ver a oportunidade. A Gnose não tem cor, raça, nível social, a gnose não tem cheiro, sensação… ela não está em nenhum lugar e nem em nenhuma prática. Ela acontece quando certos requerimentos são atingidos, independente de onde se esteja. Na rave, a Gnose se chama “transcendência”. Imagino que muitos retornam para ela querendo experienciar este pedaço do sagrado que brota no meio da lama batida pelos pés, que pode brotar de uma droga que foi feita para parar sangramento e que hoje é estudada para uso até contra stress pós traumático.

Ainda quero retornar para a rave com um propósito magístico bem definido, e testar como usar desta egrégora para fins estruturados. Mas não tenho dúvida: O MDMA é extremamente eficaz para transcender. Não se esqueça apenas de beber água!

Música: Bae Bae, de Vegas.

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