
Meu processo de conhecer a magia começou no desespero. Estava eu a décadas com problemas psicológicos definhantes, sem sentido nenhum na vida. Foi neste cenário, e com auxílio de vários “acasos”, que fui parar em frangalhos numa sessão com Ayahuasca. Eu não sabia, mas aquilo iria mudar minha vida.
Neste grupo, as portas para a magia foram abertas para mim. Foi em um dia totalmente despretensioso, como são os dias quando coisas estranhas acontecem. Na experiência com Ayahuasca, fui sendo levado para vários eventos na minha infância onde eu achava ter visto espíritos, mas pensei que era apenas coisa da cabeça. “Lembra destes eventos onde você achava que tudo era fruto de sua imaginação? Pois é. Não era”. Com essa fala, eu adentrei o mundo dos médiuns, aqueles que enxergam, ouvem e falam com espíritos.
Minha busca por formas de trabalhar essa abertura espiritual foi longa. Ouvia de dirigentes dos trabalhos Ayahuasqueiros que eu estava caçando problema com as mãos, pois a magia “verdadeira” acontecia ali. Mas como fazer com as sensações constantes de pessoas do meu lado quando dormia? Isso ninguém me ajudava. Foram anos de terreiro em terreiro, de centro espírita a centro espírita, querendo um canto para mim. Mas nada daquilo me apetecia. Logo começava a perceber os jogos de vaidades. Recordo de um doutrinador espírita com mais de 20 anos de trabalho dizendo que eu era especial, pois era médium de incorporação, e estes médiuns são louvados pelo Cristo.
Hoje eu sei o que era meu problema. Não eram necessariamente os centros que frequentei, pois ali eu só via o que existe em todo lugar: humanos sendo humanos. Meu problema era que eu não tinha cabeça de frequentador de igreja. Eu tenho esse grande detalhe: não gosto de depender de ninguém. Gosto de autonomia, liberdade. Essa característica me colocaria, anos depois, em conflito com todos os locais que frequentava.
Algumas pessoas são chamadas pra coisas diferentes. Meu chamado já era antigo. Eu engoli a história de Alta Magia contra Baixa Magia, mas logo ela também não me apeteceria, pois comecei a refletir no caráter político disso tudo. Segundo os praticantes, a Alta Magia é a Magia Cerimonial voltada pra contato com seres elevados, sem sacrifícios, sem trocas energéticas, apenas pelo poder da Vontade. Já a Baixa Magia é aquela que faz uso de materiais para entrar em contato com as forças e barganhar com elas. Feitiçaria. Macumba.
Mas fico aqui pensando: a Alta Magia por um acaso era feita por quem? Claro, a alta Magia sempre foi uma prática da elite da sociedade. Desde quando pobre sabia ler e tinha contato com erudição? Essa era a magia do clero, dos sacerdotes, das castas espirituais. Para o servo, escravo e pobre, só sobrava a magia profana, a feitiçaria. Mas o que ninguém pensa é que magia não tem cor, não tem sexo, não tem idade. A pessoa nasce para ela, mas até nisso a sociedade distribui os adeptos. Se você tem dom magístico, e nasce abastado, iria terminar no clero ou em alguma posição sacerdotal. Se fosse pobre, só teria como escolha aprender o ofício de forma verbal com algum parente. Me lembro agora inclusive de um livro chamado “A morte branca do feiticeiro negro”, onde se fala da higienização que foi feita nos cultos negros como a Umbanda.
Essa distinção de magia me entristece, pois ela apenas reforça o caráter burguês de nossa sociedade. Sou a prova viva de que isso tudo é uma conversa para boi dormir. Sou uma pessoa que nasceu com vários privilégios, mas decidiu ir contra a correnteza, e iniciar em cultos de pretos excluídos, por vocação e amor. Me recordo claramente de que Salomão comandou os 72 espíritos dos céus… mas também da terra. A feitiçaria e a magia cerimonial podem sim andar de mãos juntas. Você é livre para aprender o que quiser. Não importa se nasceu pobre, rico ou seja lá qual sua cor, você tem o direito de exercer sua espiritualidade da forma que bem entender.
Para nós, que vivemos no Brasil, essa salada espiritual na qual somos inseridos é uma força. Religiões querem exclusividade, mas a espiritualidade é livre. Claro, tudo dentro de seu rito e sua força. Comungo dos caboclos e pretos-velhos em uma tarde, para na noite beber da fonte dos arcanjos, e quem sabe no outro dia fazer uma leitura de runas. Estudo de tudo, e sempre com espaço para mais. Na magia, você é o que pratica. Se é assim mesmo, então na magia eu sou realmente brasileiro.
Encerro com uma frase de Franz Bardon, no livro “O Caminho do Adepto”: “minha religião é o Eterno”.
Música: Brazil (Aka Aquarela do Brasil), de Antônio Carlos Jobim