A natureza é cruel

Você, espiritualista, de repente quis comungar uma planta de poder, pois quer se conectar com Mama Gaia, com nossa mãe natureza. Duas horas depois, está desesperado, quase arrancando os cabelos com a força de algum alterador de consciência rasgando você ao meio. Não se preocupe: você não está só. Como você, muitas pessoas tentam conhecer os alteradores para se conectar com a natureza, e fogem desesperados. Elas não contavam com um detalhe: a natureza é cruel. Porque você achou que seus professores primeiros seriam amorosos contigo?

Quando me recordo de minhas experiências de 11 anos com Ayahuasca, as vezes eu penso que leva uma mistura de coragem com ingenuidade pra comungar muito Daime toda semana, as vezes mais de uma vez por semana. Me recordo de momentos onde parecia que eu estava ligado a uma corrente de energia (a força, como dizem os Ayahuasqueiros), e aquilo era tão forte que se eu mexesse o dedinho do pé, eu terminaria em uma poça de vômito, pois mexer gerava informação demais dentro de mim. Pra ficar ali então, eu precisava as vezes por horas meditar e concentrar na minha respiração, enquanto você tem vontade de jogar seu cérebro na parede, na esperança que aquilo pare, mas sabendo que nada muda a força de uma planta professora – é ela que decide até onde vai a lição.

Os enteógenos são conhecidos como forças que revelam Deus dentro de você, mas você precisa entender que isso é a mais pura verdade – e é justamente esse o problema.

Infelizmente, nossas noções de Deus e do que é bom, do que é amor e do que é cuidado são muito corrompidas por séculos de uma doutrinação paternalista. Tudo que é feminino deve ser amoroso e cheio de candura, pois esse é o lugar que sobra para essa força: ser mãe (eu ainda não ouvi o termo “pai natureza”). É interessante perceber como as pessoas enxergam a natureza como uma mãe amorosa que sempre abraça seus filhos. Acho que as pessoas que pensam assim, esses abraçadores de árvores e jovens místicos, nunca ligaram na Discovery pra ver algum documentário sobre a mata.

Nossa vida é criada em cima de inúmeras mortes. As prateleiras de supermercados mostram carnes lindas embaladas, pra que você não precise lidar com rios de morte que são realizadas pra você ter aquela comida. Animais estão neste exato momento correndo muito – seja atrás de uma caça, ou sendo a caça. Pra que um leão exista hoje, ele precisa matar algo hoje, e pra uma gazela sobreviver hoje, um leão as vezes morrerá de fome. Morte, morte e mais morte permeando nossa adorável natureza, terra dos cristais e de muitas vivências paz e amor ao redor de cachoeiras.

Os alteradores de consciência, todos eles, flertam com a morte, pois essa é uma das essências da natureza, a morte. Vida e morte estão pulsando a todo tempo no coração da selva. Entrar em contato com um alterador de consciência é colocar seu pescoço a julgo de um professor milenar, infinitamente mais antigo que você próprio. Mesmo plantas “amorosas” como a Cannabis lhe colocam desafios de disciplina e psicodelia (aquele brownie canábico que você deu uma mordida a mais com certeza lhe ensinará algo sobre limites).

Então eu perco muito a paciência quando pessoas vem dizer que usar um alterador é um “atalho” na ritualística. Uma pessoa que fala isso nunca teve uma experiência real na força dos professores. Estar em contato com eles, sem nenhum rito, já pode ser uma das coisas mais desafiadoras que uma pessoa pode passar. Agora pense em fazer isso misturando uma ritualística. As vezes você não consegue nem andar, e precisa mexer com fogo, com incenso, em fazer um banimento, em ler um texto enquanto miríades de luzes piscam na frente de seus olhos, enquanto ouve vozes de três entidades ao seu redor (e uma delas não parece ser daqui…)

A quimiognose só se torna uma facilitadora nas mãos daquele que saiba surfar suas ondas psicodélicas. Na mão do resto, vai ser um grande entrave – e as vezes pode trazer uma experiência bem difícil. Você precisa ter peito, ter brio, pra abrir o caldeirão da mãe natureza em meio a sua ritualística. Os enteógenos tem cada um sua forma de ensinar, e potencializarão as vozes de toda força que você evocar em seu círculo, e adicionando mais algumas.

No mundo ayahuasqueiro, existe um termo chamado peneira, que se refere a uma força que a Ayahuasca tem, de “peneirar” todos que comungam sua força, olhando seus corações e penetrando em suas verdadeiras intenções. Eu penso que toda planta professora tem sua própria peneira, e pouco a pouco vai peneirando seus usuários, só mostrando o ouro puro para aqueles que, com humildade e firmeza, se despem perante o espelho das almas que sempre seremos colocados em frente.

Mas mesmo apesar das dificuldades, eu não escolheria outro caminho. Fazer magia com plantas de poder no meio lhe faz testemunha viva dos milagres da manipulação de forças. Você não só vê o rito, você o vive, dentro de você.

Você tá com dificuldade de acender um incenso no seu altar, e quer falar de quimiognose é atalho? Ah vá!

Música: Tonantzin, de Poranguí

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